03 Julho 2020
Publicamos aqui o comentário de Enzo Bianchi, monge italiano fundador da Comunidade de Bose, sobre o Evangelho deste 14º Domingo do Tempo Comum, 5 de julho de 2020 (Mateus 11,25-30). A tradução é de Moisés Sbardelotto.
As provações e as tribulações que Jesus anunciou aos seus discípulos (cf. Mt 10,16-30) são realidades para o próprio Jesus: ele experimenta a rejeição e a incredulidade dos habitantes de algumas cidades da Galileia, nas quais ele também pregou e realizou sinais prodigiosos (cf. Mt 11,16-24).
Diante dessa contrariedade, Jesus não se desencoraja, mas transforma o fracasso em ocasião de ação de graças ao Pai. Jesus certamente é tocado pela rejeição sofrida, mas é capaz de assumi-la na fé – por isso a sua oração é precedida pela anotação: “Respondendo, disse...” –, de fazer dela uma ocasião para discernir o cumprimento da vontade do Pai: “Eu te louvo, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque escondeste estas coisas aos sábios e entendidos e as revelaste aos pequeninos. Sim, Pai, porque assim foi do teu agrado!”.
Mesmo na hora difícil, Jesus reconhece que Deus age através dele: a sua missão consiste no anúncio da boa notícia aos pobres, aos simples (cf. Mt 11,5; Is 61,1), os quais, aderindo a Jesus, captam nele a revelação do Pai; ao mesmo tempo, ela é o julgamento dos corações daqueles que, com a sua sabedoria intelectual e a sua pretensão de autojustificação religiosa, erigem um obstáculo intransponível à acolhida do Evangelho.
É o mesmo olhar de fé que levará Paulo a escrever: “Deus escolheu o que é loucura no mundo, para confundir os sábios; e Deus escolheu o que é fraqueza no mundo, para confundir o que é forte” (1Cor 1,27)...
Depois dessa ação de graças, Jesus faz uma afirmação extraordinária, que abre uma fresta sobre a sua relação de intimidade com o Pai e nos faz contemplar por um instante a vida de comunhão de Deus: “Tudo me foi entregue por meu Pai, e ninguém conhece o Filho, senão o Pai, e ninguém conhece o Pai, senão o Filho e aquele a quem o Filho o quiser revelar”.
Além disso, Jesus convida os seus discípulos a participarem dessa vida divina: trata-se de passar por ele, caminho definitivo para acessar o Pai, como ele dirá no quarto Evangelho (cf. Jo 14,6). Aqui ele expressa isso com palavras de grande consolação, que constituem um apelo para aderir com confiança a ele: “Vinde a mim todos vós que estais cansados e fatigados sob o peso dos vossos fardos, e eu vos darei descanso. Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração, e vós encontrareis descanso”.
Na época de Jesus, os rabinos compararam a Torá, a Lei de Deus, a um jugo a ser carregado, referindo-se à responsabilidade confiada àqueles que entravam em aliança com Deus. Tal jugo havia se tornado progressivamente mais oneroso por causa das interpretações rigoristas fornecidas pelas lideranças religiosas de Israel: os preceitos, dados por Deus para a autêntica liberdade do ser humano, haviam se transformado em “fardos pesados e insuportáveis sobre os ombros dos outros” (cf. Mt 23,4)...
Jesus também se apresenta àqueles que o escutam como mestre e guia (cf. Mt 23,10), mas um mestre bem diferente, que interpreta a Torá com a sua vida, fazendo dela uma fonte de liberdade: ele é manso e paciente com os discípulos, é respeitoso com quem está à sua frente, é desprovido de qualquer arrogância, não condena os pecadores, é humilde de coração para com Deus, porque está submetido a ele em tudo.
Agindo assim, Jesus não pretende negar as exigências éticas da aliança com Deus, mas, quando anuncia a verdade, faz isso na misericórdia, com sentimentos de compaixão pelos homens e mulheres, porque nunca separa a verdade da caridade! Esse equilíbrio é muito difícil, mas Jesus sempre conseguiu se mostrar manso e, ao mesmo tempo, ser mestre dos outros, sem lhes impor pesos insuportáveis a eles, sem alimentar um olhar cínico ou duro para com os pecadores. Ele fez isso até o fim da sua existência, quando, entrando em Jerusalém sobre um dócil burrinho, foi aclamado pela multidão como Messias manso (cf. Mt 21,5; Zc 9,9).
Sim, Jesus é um rabi manso e humilde de coração, capaz de dar conforto e paz a quem se sente cansado e oprimido, a quem se perdeu em caminhos tortuosos: o jugo de Jesus, Torá feita pessoa, é doce, e o seu fardo é leve. E, assumindo a sua mansidão, cada pessoa já pode viver agora a bem-aventurança por ele prometida: “Bem-aventurados os mansos, porque herdarão a terra” (Mt 5,5; cf. Sl 37,11), isto é, a terra dos vivos, o Reino.
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Quem pode dizer que é “manso e humilde”? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU